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A Dança na Linguagem Simbólica
A Dança na Linguagem Simbólica

A dança é celebração, “a dança é linguagem”. Linguagem para aquém da palavra: as danças de cortejamento dos pássaros o demonstram. Linguagem para além a palavra: porque onde as palavras já não bastam, o homem apela para a dança.

O que é essa febre, capaz de apoderar-se de uma criatura e de agitá-la até o frenesi, senão a manifestação, muitas vezes explosiva, do Instinto da Vida, que só aspira rejeitar toda a dualidade do temporal para reencontrar, de um salto, a unidade primeira, em que corpos e almas, criador e criação, visível e invisível se encontram e se soldam, fora do tempo, num só êxtase. A dança clama pela identificação com o imperecível; celebra-o.

Tal é a dança do rei Davi diante da Arca, ou a que encantava e arrastava num turbilhão sem fim Meviana D’jellal ed’din Rumi, o fundador da confraria dos dervixes rodopiantes (mawala-wiyya), e um dos maiores poetas líricos de todos os tempos. Tais são também todas as danças principiativas, todas as danças qualificadas como sagradas.

Mas tais são, ainda, na vida dita profana, todas as danças, populares ou eruditas, elaboradas ou de improvisação, individuais ou coletivas, as quais, em maior ou menor grau, busca uma libertação no êxtase, quer ela se limite ao corpo, quer seja mais sublimada – na medida em que se admita que haja grau, modos e medidas de êxtase.

O ordenamento da dança, seu ritmo, representa a escala pela qual se realiza e completa à libertação. Não há melhor exemplo que os xamãs, pois eles mesmos confessam que é com a dança, acompanhada pelo seu tambor, que se consuma a sua ascensão para o mundo dos espíritos. Da Grécia e de seus mistérios, da África, pátria dos orixás e do vodu, ao xamanismo siberiano e americano, e até nas danças livres do nosso tempo, por toda parte o homem exprime pela dança a mesma necessidade de livrar-se do perecível. As numerosas danças rituais para pedir chuva não diferem, nesse sentido, de nenhuma maneira, da mais trivial dança amorosa, e a extenuante dança do Sol, dos índios as Pradarias norte-americanas, bem como as danças de luto da China antiga, põem à prova a alma, procuram fortificá-la e conduzi-la pela senda invisível que leva do perecível ao imperecível. Porque se a dança é provação fervente, e prece, ela é também teatro.

Seria possível arrolar mil exemplos: o das danças de possessão, como as que se vêem no vodu do Haiti, mostra que esse teatro, essencialmente simbolista, tem também virtudes curativas. É essa, sem dúvida, a razão pela qual a medicina descobre – ou redescobre – uma terapêutica da dança, que as culturas conhecidas como animistas nunca deixaram de aplicar.

Na Índia, o protótipo da dança cósmica é o tandava de Xivanataraja. Inscrita num círculo de chamas, essa dança simboliza ao mesmo tempo a criação e a pacificação, a destruição e a conservação. Simboliza, igualmente, a experiência do Yogin. Por outro lado, o Buda Amogasiddhi, senhor do movimento vital, criador, intelectual, leva, no budismo tântrico, o nome de Senhor da Dança.

As danças rituais da Índia fazem intervir todas as partes do corpo, em gestos que simbolizam estados d’alma distintos: mãos, unhas, globos oculares, nariz, lábios, braços, pernas, pés, ancas, que se mobilizam em meio a uma exibição de sedas e de cores, ou, por vezes, numa quase nudez.

Todas essas figuras exprimem e pedem uma espécie de fusão num mesmo movimento estético, emotivo, erótico, religioso ou místico, que é como uma volta ao Ser único de onde tudo emana, para onde tudo retorna, por um ir e vir incessante da Energia vital.

Nas tradições chinesas, a dança, ligada ao ritmo dos números, permite organizar o mundo. Ela pacifica os animais selvagens, estabelece a harmonia entre o Céu e a Terra. É dança de Yu-o-Grande que põe fim ao transbordamento das águas, à superabundância do yin. O sinal wu, que exprime a não-manifestação, a destruição teria tido, segundo alguns exegetas, o sentido primitivo de dançar.

Na África, onde a dança é, mais que no resto do mundo, extroversão, ela constitui, segundo o padre Mveng, a forma mais dramática da expressão cultural, porque é a única em que o homem, em sua recusa ao determinismo da natureza, se deseja, não só simplesmente liberado, mas liberado inclusive de seus limites. É por isso, de acordo com o autor, que a dança é a única expressão mística da religião africana.

No Egito, onde as danças eram tão múltiplas quanto elaboradas, elas traduziam, segundo Luciano, em movimentos expressivos, os mais misteriosos dogmas da religião, os mitos de Ápis e de Osíris, as transformações dos deuses em animais, e, acima de tudo, os seus amores.

Jean CHEVALIER & Alain GHEERBRANT, Dicionário de Símbolos, p.319.